FESTCINEAMAZÔNIA ITINERANTE CHEGA EM SANTO ANTÔNIO

FESTCINEAMAZÔNIA ITINERANTE CHEGA EM SANTO ANTÔNIO

Abandono e solidão na visita à comunidade quilombola do Vale do Guaporé

Por Sérgio Carvalho Foto de Eder Medeiros

 

 

O Festcineamazônia Itinerante chegou na comunidade quilombola de Santo Antônio no dia seguinte à apresentação em Costa Marques, em16 de agosto, um pouco depois do almoço. Nas margens brasileiras do rio Guaporé, casinhas muito simples, que lembravam o Vale do Jequitinhonha ou o sertão nordestino de décadas passadas. Talvez, pela mesma sensação que ambos lugares provocam: abandono e solidão.

O comandante Lúcio Torres, responsável pelo batelão Pato Selvagem, que leva a equipe do Festival pelo rio Guaporé, lembrou do apogeu da comunidade: “Sinto um aperto no coração quando vejo este lugar assim. Aqui deixávamos nosso barco para reparos, viviam quase 700 pessoas. Uma irresponsabilidade deixar esta comunidade acabar. É a resistência cultural do Guaporé. Uma festa!”

Piuns, milhares deles. Pela primeira vez, os mosquitos tiravam a tranquilidade da viagem. O sol também ardia. Desta vez, o que não existiu foram os olhares curiosos que costumavam aguardar a equipe.

Morava gente ali?

Todo quilombo e toda aldeia merecem o mais profundo respeito e admiração. Pois é resistência. Por mais influência que tenham de nossa cultura, tanto pelo positivo quanto pelo negativo, cada povo que ainda vive de maneira comunitária, em respeito e sintonia com o seu ambiente, que guarda resquícios de suas histórias e saberes, são povos rebeldes frente a um mundo que se torna cada vez mais doente e individualista.

A comunidade quilombola de Santo Antônio, como bem lembrou o comandante, mestre deste rio Guaporé, está, de fato, acabando. Localizada dentro de uma área de reserva ambiental e impedidos de caçar e de criar animais domésticos, mesmo para subsistência, distantes do poder público, sem assistência e oferta outra que possibilite a permanência no lugar, os quilombolas migram para as periferias da cidade. Processo cruel e semelhante ao que ocorreu com os seringueiros acreanos, expulsos pelos fazendeiros de suas terras.

Sem preparo para a vida urbana, qual será o fim destes, que como também definiu o nosso comandante Sr. Lúcio, eram a resistência cultural do Vale do Guaporé?

A estrutura do Festcineamazônia montada arrepiou. Do alto do barranco, o cinema. Quinze, no máximo vinte pessoas sentadas. Não devia haver muitos outros moradores. Velhos e crianças. Foi um desafio para todos equipe. Buscar a empatia, a comunicação.

O  vídeo de Christyan Ritse – que em cada localidade, tendo uma criança como protagonista e porta voz, produz um curta sobre o local, exibido antes das demais projeções – mostrou uma criança negra, com firmeza impressionante na voz e sem timidez frente ao Ipad, contando um pouco do cotidiano do lugar. Histórias de onças e jacarés comedores de cachorros, com naturalidade, mostra sua habilidade em segurar um facão e descascar cana, enquanto fala sobre os seus afazeres, a mesa de ping pong improvisada com tábuas em baixo de uma frondosa mangueira, na qual, as crianças passeiam de bicicleta em um longo e poético plano.

Ao ser questionado sobre a escola, o garoto demonstra uma madura reflexão sobre sua realidade. Na montagem do curta, a imagem da escola azul, abandonada, coberta de mato em um plano geral, que é cruzado pelo nosso eletricista Sr. João. A voz over do menino diz algo como: “A gente estudava na escola, mas disseram que iria cair na nossa cabeça. Precisamos sair dali. Hoje a gente estuda na varanda da casa da professora, de Ji Paraná.” Pelo visto, a escola continua ali, abandonada, como todo o resto. Condenada, sem alternativas, a improvisada escola, na casa da admirável professora parece ser um lampejo de possibilidade, de esperança. A metáfora do próprio lugar.

No material bruto do vídeo, um trecho da entrevista do garoto que não entrou no curta, de uma beleza fatalista e, porque não, espiritual. O jovem cineasta pergunta ao garoto que bicho ele gostaria de ser, esperando as respostas mais comuns, como onça ou jacaré, o menino surpreende e responde: “Gostaria de ser uma paca”.

“Uma paca? Por que uma paca?” – indaga Chrystian, buscando sentido para a inusitada resposta.

“Queria ser uma paca, porque as pessoas se alimentam dela. Paca dá de comer”.

Sem mais. A pergunta foi respondida. “Havia gente ali?”

Havia, e do melhor tipo.

O Festcineamazônia Itinerante tem o patrocínio do BNDES, Ministério da Cultura, Secretaria do Audiovisual, Lei Rouanet, apoio cultural da Fundação Saramago e Iphan. Parceiros de Mídia Rádio Parecis FM e Canal Brasil. O Festcineamazônia é membro do Green Film Network e Fórum dos Festivais.

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