Diário de Bordo – UNIÃO BANDEIRANTES

O nome faz referência aos desbravadores que deram início à colonização. União dos bandeirantes, como era chamada, servia para designar as famílias que se juntaram para ocupar a região, no meio da floresta e longe 60 quilômetros do acesso à BR 364. E se tornou União Bandeirante. “Homenagem aos bandeirantes que vieram para cá desbravar”, explica um dos pioneiros, Jorge Jeremias da Silva, 33 anos, que chegou logo que surgiu o vilarejo, há dez anos.

Silva tem uma vida urbana no distrito rural. Mecânico especializado em caminhões, ele investiu, quatro anos atrás, na área de cultura e lazer, abrindo o primeiro e único cinema de União Bandeirante, o Cine Star. Teve relativo sucesso, passava filmes no final de semana e matines a tarde. “O que fez mais sucesso era um sobre velho oeste, não me lembro o nome”, recorda.

Mas o empreendimento durou pouco, cerca de 6 meses. Foi então abandonado e nada surgiu no ponto. “Não tinha energia elétrica e isso complicava, pois as vezes faltava óleo diesel para o gerador, que também não tinha força para um ar condicionado, e a sala, com umas 50 pessoas, ficava quente”, ele recorda. Cobrava dois reais por sessão, que costumavam ser lotadas, segundo ele.

Nessa década em Bandeirante, o momento mais difícil que passou foi quando o Ibama fechou as dezenas de serrarias irregulares que sustentavam a economia local. Sem emprego ou outra fonte de renda, de acordo com análise de Silva, isso fez com que os trabalhadores rurais fossem obrigados a plantar para sobreviver, indo para o campo e deixando de lado a economia da madeira. Muitos foram embora. E os que ficaram deram certa estabilidade para a economia. Foi então que ele migrou do cinema para a área digital.

Hoje, ele diz, União Bandeirante tornou-se o local de produção da região, abastecendo Porto Velho e as cidades que sofreram inchaço populacional pelas usinas do Madeira. “Com as hidrelétricas veio muita gente de fora, e o consumo aumentou, e aumentou muito a demanda de alimento. As usinas tiveram um impacto grande na região, e o preço da terra também aumentou.”

Silva sente saudades dos tempos antigos, quando a vida comunitária era mais forte, as relações entre as pessoas, mais próxima. O cinema surgiu para preencher um vazio cultural que, segundo ele, hoje é preenchido pela internet. Depois do cinema, Silva montou uma lan house, a JV Net. A internet tem feito mais sucesso que o cinema, e Silva é conhecido como “Jorginho da lanhouse”.

Nesse ambiente de nostalgia do cinema que a caravana itinerante do Festcineamazonia fez a projeção do festival na comunidade, com um dia de atraso, em razão das chuvas que impediram o deslocamento da equipe.

Esta é a quarta vez que o Festcineamazonia se apresenta no local. Nos primeiros anos, não havia luz elétrica e as projeções eram ser feitas como ocorreu nessa semana na comunidade do Rio Pardo: com energia de gerador. Depois de protestos e mobilizações da comunidade (que chegou a bloquear a BR 364), chegou a energia e uma melhor infraestrutura.

Para o administrador do distrito, José Aparecido de Oliveira, “nesses quatro anos o festival ajudou a conscientizar a população sobre o meio ambiente.” Cido, como é conhecido, tem 42 anos, sendo 10 em União Bandeirante, onde chegou “quando não havia nenhuma casa aqui”. “O pessoal achava que meio ambiente não tinha valor nenhum, era preciso só desmatar. Hoje, conhecendo histórias diferentes, a gente daqui tomou mais consciência de onde está, tem sido bastante comentado pela população.”
Depois de um belo dia de sol, veio novamente a chuva no fim da tarde, que provocou um atraso de duas horas e parte da sessão com uma grande canaleta d’água cruzando a tenda. O que não desanimou a comunidade a comparecer.

Moto é o principal meio de transportes em União Bandeirante. E um ramo importante do comércio local: Bandeirante Motos, América Motos, Nacional Motos, Mexicana Motopeças, Águia Motos, Fénix Motos, Soares Motos, Papalegua Motos, entre outras lojas de motocicletas. E muitas pessoas vieram em motocicletas assistir ao festival.

Welton Júnior, 20 anos, mora na linha PO há dez, mas veio pela primeira vez. Nunca foi ao cinema, e só assiste filmes em casa, na televisão que seus pais compraram recentemente. “Gostei, é bom, o tamanho da tela é grande”, comentou. Ele veio com outros dois amigos. Ambos em motocicletas. Cada um assistindo a sessão sobre o próprio assento. Ficaram à distância, entre a tenda e a luz da rodoviária. Como não mora na área urbana, foi por acaso que ficou sabendo da apresentação. “Tive de vir na cidade e vi a lona estendida. Daí pensei que ia ter algum evento hoje a noite”

O programa do domingo também interessou aos casais românticos. Wesley Rodrigues, 18, e Maria da Penha, também 18, vieram junto de outros dois casais. Como em um clássico drive in onde se assiste aos filmes dentro do carro, em União Bandeirantes os casais assistem ao filme em cima das motos. Wesley e Maria estão juntos a 11 meses, logo após o rapaz ter chego no vilarejo. Antes ele morava em Itapuã, onde chegou a ver uma apresentação na praça da cidade. Para ela, essa era a sua primeira vez.

A criançada veio em menor número, porém se fez presente pela animação. Tinham eles uma atração a mais: Valdivino José Farias é um matogrossense que chegou por estas bandas de Rondônia há cinco anos e tem o seu circo em miniatura e também itinerante: dois pulapula que fazem a alegria das crianças.

Cobra um real 5 minutos, e o brinquedo só ficou vazio na hora em que o palhaço Sorriso entrou em cena. Mas não era o caso de Anelisa, 9 anos, filha de Jorginho “da lanhouse”, o empreendedor do cinema na cidade com o Cine Star. A jovem assistiu a todas as sessões na primeira fila e foi a mais animada na apresentação circense. Como cinema ela via nas sessões matines da sala de seu pai, a maior curiosidade nesta noite era conhecer um palhaço de verdade: “é muito engraçado”, comentou sobre a apresentação de Sorriso.

Há grandes fazendas e fazendeiros em União Bandeirante, e a pecuária é a coluna econômica do distrito, que se faz notar pelas longas pastagens e constantes caminhões boiadeiros. Bem mais numeroso, e aparentes, são as famílias de pequenos lavradores, os “bandeirantes” que se uniram no atual distrito e organizam uma movimentada atividade rural, produzindo desde café a hortaliças em meio a floresta remanescente.

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