DIÁRIO DE BORDO (PERU)

DIÁRIO DE BORDO (PERU)

Embora tensos, partimos para a segunda etapa da itinerancia do FestCineamazônia-2011 certos de que a experiência de outras três expedições, e da última por quatro cidades bolivianas (31/5 a 13/6), nos teria forjado corpo e alma para mais uma jornada cultural no Peru. Ledo engano.

Os calejados demonstravam naturalidade e, de uma certa maneira, se divertiam com a apreensão dos neófitos (a situação deste narrador). Aliás, o Toniquinho não é só neófito, ou talvez por isso mesmo, por seu ingresso recente em aventuras desse tipo, também é tremendamente fora do traço; há quem diga que é a velhice chegando. Mas aos 61 alguém já é assim decrépito, senil? Com a palavra os jovens que desperdiçam a juventude em tolices.

Bem, mas não é desta viagem que se quer falar e sim da intrigante civilização andina incrustada no espírito de povos que vivem há milhares de anos e a outros milhares de metros acima do nível do mar, em montanhas que registram a presença de homens pré-colombianos vivendo muito bem obrigado até a invasão dos espanhóis no continente sul-americano por volta do século 16, à cuja cultura várias etnias locais mantêm resistência até nossos dias, tido por muita gente como pós-moderno. Nós, do FestCineamazônia estivemos cara a cara com essa gente misteriosa, simpática, mas indômita.

A partida

Checados os carros, equipamentos e todos os apetrechos que requerem uma empreitada de tamanha responsabilidade, estávamos prontos. Por volta de 10 horas do dia 31 de maio (terça-feira) a trupe rodava os primeiros quilômetros rumo ao Peru. A odisseia mal começava.

A programação inicial previa atividades em quatro cidades peruanas (Puerto Maldonado, Puno, Cuzco e Ibéria), mas uma greve no setor de mineração ameaçava bloquear a estrada para Puno. O bom senso advertia-nos a não tentar entrar na cidade. Não entramos, é claro! Aí seguimos para Cuzco, cidade marcada fortemente pela herança Inca-Espanhola desde a indumentária de seus habitantes aos monumentais prédios em estilo barroco.

De Porto Velho até cruzar a divisa com o Acre foram mais de 10 horas. Chegamos então a Epitáciolândia nas primeiras horas da madrugada do dia 1/6 (quarta-feira). Começamos a constatar que as cidades acreanas são melhores cuidadas que as de Rondônia, especialmente Rio Branco, cuja limpeza e beleza deixam a sofrida Porto Velho sem graça. Que fazer?

Depois de ligeira parada em Epitaciolândia para o jantar, fomos dormir em Brasileia, outra acolhedora e bem cuidada cidade do Acre. Detalhe: é uma mulher que administra a cidade; e ela pertence ao mesmo partido do prefeito de Porto Velho. É verdade!

ENTRADA NO PERU… Noite…
O clima eleitoral por pouco não comprometeu as atividades do Festival. Os comícios não atraíam a muita gente, mas faziam muito barulho. Nossa primeira mostra no Peru foi em Puerto Maldonado, na quinta-feira (2/6). Fortemente indecisos entre Ollanta e Keiko, muitos eleitores preferiram ir ao cinema.

Como toda a turma sabe e sente na própria carne, o FestCineamazônia é um estado de espírito. É verdade que há muito glamour, mas sem dedicação e muita concentração não se chega à catarse. Pois é sob a batuta do Jurandir e da Fernanda, a trupe manda ver e quase tudo tem dado certo, afora algumas contrariedades próprias do ofício. Só acerta ou erra quem faz. Esta premissa tem-nos ensinado a todos.

Tomara que a experiência pelo Peru tenha ensinado que com altura e frio não se brinca, mormente quem vive há décadas ao nível do mar. O Toniquinho que o diga. Até agora sofre as consequências do exagero. Além de ceguinho, tem dor de ouvido, está meio surdo e um ruído constante na cabeça que virou uma caixa de ressonância. Mas outros também sucumbiram. O destemido Rogério, ainda na ida era só enjoo: a Fernanda também não esbanjava saúde, e num grau menos preocupante, talvez, Jura, Luiz Carlos, Raí, Gilmar, Christyann se queixavam sempre de um mal-estar. O seu Geraldo, sempre firme durante a viagem, consta que, ao chegar em casa, desabou toda a fortaleza. Está de cama. No retorno ouve-se aqui e ali: eu bem que avisei!

A ser real a máxima “o que não nos destrói, nos fortalece.” Toda equipe do FestCineamazônia virou rocha. E por falar em rocha, quanta pedra no Peru! Parece simbolizar o firme caráter dos povos que habitam aquelas montanhas misteriosas e geladas. Perceberam o quanto ficamos extasiados com tanto exotismo? Os vales, as corredeiras, as cachoeiras, a comida, os animais, a vegetação, as pessoas. E o que dizer da Cordilheira dos Andes? Dizer que querem nos revelar algum mistério? É pouco; mostrar nossa pequenez? É óbvio demais. O grupo da van do seu Geraldo nada sabe sobre isso, tampouco nossa vã filosofia. Não ousem descrever as belezas naturais, elas são indescritíveis!

Na mente, muita lembrança de pessoas e lugares; na bagagem, suvenires pré-colombianos vão adornar nossas casas ou serão presenteados a amigos. Serão reminiscências que jamais se apagarão de nossas mentes, pra ser redundante.

A Equipe

De antemão e neste espaço, expressamos nosso agradecimento a quatro pessoas que já integram a itinerância no Peru desde a primeira edição da modalidade: John Yuri, Pepe Molero, Daniel Oblitas e Manuel Gibaja. Os quatro dedicaram-se diuturnamente na divulgação, na logística e em tudo que se fazia necessário. Valeu, companheiros!

E agora a lista: Jurandir Costa – o cearense pertinaz ainda não é quarentão e já realizou mais da metade do que sonhava em se tratando de cinema. Ele é responsável direto pela criação do FestCineamazônia e culpado pelo resto; Fernanda Kopanakis – a doutoranda cobra o escanteio e corre para a área para cabecear. Ela consegue, só Deus sabe como, conciliar o doutorado na UFRJ e o FestCineamazônia. Ainda não acusou fadiga, pelo menos aparente. Firme nas decisões, porque o espetáculo não pode parar; Rogério – é pau pra toda obra, ou seria obra pra todo pau? Joga nas onze posições: defende, ataca, distribui, bica, mas às vezes fura porque ninguém é de ferro. Em Ibéria, o rapaz mostrou outra presteza: foi salvo pelo reflexo na hora em que a estrutura da tela desabava com o Christyann, amorteceu o impacto da lona atirando-se ao chão. Uma figura esse “lanhouse 1” ; Christyann – o mascote da equipe. Vai longe o “lanhouse 2” se, como aconselha o Pisco, centrar o foco. Ele subiu a estrutura da tela sem as bases. Deu muita sorte o garoto. Fora isso, é de se apostar no “badeco”, como diz o André; Gilmar – profissional consciente esse amazonense de nascimento e rondoniense de coração. Aliás, é um dos mais inconformados com o que os políticos fazem e não fazem por Rondônia e, especificamente, a capital Porto Velho. Conhece o seu trabalho e é peça fundamental para o bom êxito do Festival, puxando a orelha de um e de outro para que não se perca a trilha. ET: está proibido de beber pisco; Rai – “foi embora!”. Não foi não! É que o eficiente e bom moço fica por tanto tempo calado que muita gente pensa que ele saiu ou não chegou no recinto. É outro abnegado e indispensável; Luiz Carlos Vasconcelos – o Palhaço Xuxu. Dispensa maiores detalhes por já se ter exaustivamente divulgado o talento deste ator paraibano com carreira sólida no teatro, televisão e cinema, tendo atuado em dezenas de peças, seriados e filmes. Mas ele diz que é o Palhaço Xuxu o seu xodó; Francisco – foi a tira-colo do pai Luiz Carlos. O Guri tem 14 anos, mas quer estar entre a gente adulta. Não pode ver uma bola e sabe tudo sobre futebol. O sonho dele é participar de outra itinerância: a de Portugal; Pisco – um baita profissional esse paulistano filho de espanhóis. Fotos fortemente eloquentes, diziam tudo muito claramente da arte e da gente dos Andes. Criterioso, obstinado, mas simples, nem parece que já fotografou famosos como Ronaldo Fenômeno e outros. Isso é bom!; André – outro profissional centrado no trabalho. Não deve ter 30 anos e demonstra seriedade em tudo o que faz sem ser chato. É dos melhores cinegrafistas, sabe muito de fotografia e é solicitado pelas boates de Porto Velho como DJ; Gil – será que é possível defini.lo? Inusitado esse Gil, irmão do Jura! Bom de trampo, bom de papo (é verdade que as vezes não se entende o que ele diz) e bom companheiro. Uma figuraça extraída talvez da literatura de um Lima Barreto, de um Graciliano Ramos ou um dos muitos regionalistas por esse Brasil afora. É bom de montaria, montou em Portugal, na França e em outros cantos deste vasto mundo de meu Deus. É o nosso chefe-geral esse incorrigível galanteador. Sai da frente!; Geraldo – o “seu Geraldo” – paciência tem limite! Parecia querer dizer a cada contrariedade. E não foram poucas. O nome dele é responsabilidade, mas não chega a ser um homem sisudo ou carrancudo. Tem seu lado brincalhão e espirituoso. Tem conselho pra todos e remédio natural para quase todos os males. Qualquer um assina embaixo; Antonio Alves – o Toniquinho – é o narrador deste simulacro de Diário de Bordo, portanto tudo que disser de si mesmo pode ser exagerado ou omisso. Uma coisa é certa: conviver com um grupo tão especial foi mais uma baita lição que chegou bem a tempo, pois o escrevinhador chegou aos 61.

Por Antônio Alves

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