EXTREMA

EXTREMA

Após 70 quilometros em uma tranquila estrada de asfalto em direção ao Acre, saímos de Vista Alegre e chegamos a Extrema.

Localizada ainda mais na extremidade do estado, Extrema vive, como toda a Ponta do Abunã, em uma antiga disputa ente o Acre e o estado de Rondônia, mas aqui se sente mais forte, do que nos outros distritos a vontade de se separar. Pertence a Rondônia, mas a vida das pessoas é mais próxima de Rio Branco do que de Porto Velho. Alguns anos atrás, essa disputa quase chegou as vias de fato, e a memória desse período é forte e aparece constante na fala da população.

Além da possibilidade de se integrar com o Acre, Extrema, também junto dos outros distritos da Ponta do Abunã, possuem uma demanda de se emancipar de Porto Velho. Para resolver esse dilema, foi realizado um plebiscito, no início do ano passado, 2010, para a emancipação. O “sim” ganhou mais não levou – uma lei federal não regulamentada seguia impedindo a emancipação.

O distritos desse novo município seriam Extrema, Nova Califórnia, Vista Alegre do Abunã e Fortaleza do Abunã. Extrema, com mais infra-estrtura, e Vista Alegre, no aquecido mercado madeireiro, disputam para ser a sede. E na votação Vista Alegre não se engajou com o resto dos distritos: o “não” ganhou de lavada, com 66% dos votos. Mas em Extrema, 99,3% da população votou “sim” para se separar de Porto Velho.

Extrema também faz fronteira com a Bolívia. Um dos problemas é a questão da insegurança por causa do tráfico de drogas, reclamação constante da população. Roque Menoncin, 64 anos, é um dos “pioneiros” que chegou na leva da migração da ditadura militar. Veio em 1975. Diz conhecer bem a região, e comenta: “aqui tá cheio de ramais que vai dar na Bolívia, pertinho. Mas a polícia dá batida no asfalto. Tu achas que traficante vai rodar pelo asfalto? Vão é de moto por essas estradas de terra.” Essa seria a rota mais intensa do tráfico de cocaína.

A relação geográfica com a Bolívia ainda é bastante conflituosa também na questão territorial. Há muitos extrativistas e seringueiros brasileiros que moram no país vizinho. Há poucos dias, essas pessoas que se dizem vítimas de integrantes de grupo paramilitares do país vizinho, se revoltaram e prenderam, em território brasileiro, um oficial da Marinha Boliviana. Na terça-feira 14, no ramal Abunã, estrada que dá acesso ao país vizinho, brasileiros mantinham preso o tenente Juan Adalberto Pacheco Surriable. O tenente registrou um boletim de ocorrência na delegacia de Extrema. Ele foi repatriado no mesmo dia, para Guayara Mirim.

A origem desse conflito é uma questão de terra para os extrativistas. Em 2009, depois de alguns anos de tensão, seringueiros brasileiros que viviam pelo rio Mamu foram expulsos do país. São chamados aqui de “Brasivianos”. o Incra se comprometeu a assentar os seringueiros no estado do Acre.

O fazendeiro Roque é gaúcho da Erechim. Quando pequeno, migrou para o Paraná, em busca de terra, e, como os 5 hectares para a família de 6 filhos eram insuficientes, migrou para Rondônia. “Naquele tempo a gente ouvia promessa no rádio pra vir para Rondônia.” A família tinha serrarias no paraná, e veio com esse metiê atrás das madeiras amazônicas. A entrada de sua fazenda está localizada quase dentro do perímetro urbano, e teria sido, no passado um seringal. “Comprei diretamente dos seringueiros”, conta. “Eram gente boa, gente muito receptiva.”

Os filhos de Roque estudaram em Rio Branco, quando quer fazer compras de bens que não estão no mercado local, vai a Rio Branco, foi em Rio Branco que fez o tratamento da quimioterapia, e em Rio Branco ficou preso no primeiro e, diz ele, único, conflito em que se envolveu.

Nesse tempo, Roque diz recordar apenas um momento de tensão ligada a violência, que marcou essa região anos atrás. Foi quando um fazendeiro paulista decidiu expulsar gente que vivia na terra aqui em Extrema. “Foi em 1976, um ano depois que eu cheguei. O paulista veio com muitos pistoleiros, uns 20. Armado mesmo. E andou dizendo que ia botar todo mundo pra correr. Mas nos juntamos, nos e os seringueiros, e fomos lá e demos uma “camaçada” de pau neles. Cheguei até a ficar preso por uns 3 dias. Dessa vez foi tenso. Senti muito medo.”

A empresa madeireira da família ficou para os irmãos – nessa troca, depois da repressão intensa do governo a partir de 2005 no combate ao desmatamento e madeira ilegal, decidiu mudar o ramo. Hoje diz ter uma fazendo com 5 mil hectares, sendo pouco mais de 200 alqueires, ou mil hectares, com documentos consolidados – essa falta de regularização das terras seria um problema do Incra, ele diz, que nunca fez nada aqui, é um órgão distante.

Em Extrema tem a loja Texas, o restaurante do Babão, o hotel Cascavel e outro apenas chamado Hospedaria, e uma outra loja agropecuária cujo slogan é “a sua casa no campo.”

Em Extrema, as sessões do Festcineamazônia sempre são lotadas, com bastante público, principalmente crianças. Essa é a quarta vez, nos últimos quatro anos, que a itinerância do festival se apresenta no distrito.

Novamente, a presença maciça foi das crianças e adolescentes, que vieram em peso e lotaram a quadra da Escola Municipal 13 de Maio. A maior ansiedade era para ver a apresentação do palhaço Sorriso. Novamente, como ocorreu ano passado com o Palhaço Bicudo, alguns integrantes do público não souberam entrar na brincadeira.

Bicudo fazia, em 2010, um número em que pulga Catarina pulava na sua mão, mas era invisível aos olhos de quem não estava na brincadeira. Foi motivo para alguns adolescentes e crianças começarem a jogar pedras no palhaço até interromper o espetáculo.

Dessa vez, Sorriso não conseguiu ganhar o público, que em outros distritos ria em cada número. Havia uma resistência no ar. Alguma coisa que tem acontecido em Extrema e em razão da qual as crianças, aqui, tem tido dificuldade de interagir com a arte do palhaço. Para tentar soltar a plateia, Sorriso foi fazer o número em que joga uma galinha de plástico para a torcida. Um menino “da turma do fundão” não quis entrar na brincadeira, em uma reação “extremada” pegou o frango e partiu para cima do palhaço. Para evitar que essa turma provocasse algum constrangimento, o espetáculo terminou mais cedo.

Essa foi a sexta apresentação da quarta itinerância do Festcineamazônia nos últimos sete dias. A caravana ruma agora para Nova Califórnia, o último distrito de Rondônia em direção ao Acre, e onde ocorre a última sessão de vídeos e filmes ambientais com a apresentação do palhaço Sorriso.

Por Felipe Milanez

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