CINEAMAZÔNIA ITINERANTE NA ESTRADA

“Vocês deviam vir mais vezes aqui. Não temos quase nada para dar aos nossos jovens. Deus abençoe vocês”. Ombros arqueados, passos vagarosos, sorriso de poucos dentes, Pencha Tamayo, 68 anos, saiu da igreja na praça central da pequena cidade de Iberia, no Peru, e assistiu a metade dos filmes exibidos no dia 18 de setembro na localidade pelo Festcine Amazônia Itinerante. O elogio, mesmo que em forma de apelo, revela muito da importância da itinerância do Cineamazônia para localidades em que o acesso a produções culturais, como o cinema, é mais difícil.
é o que tem impulsionado os organizadores do Festcine Amazônia Itinerante Jurandir Costa e Fernanda Kopanakis a seguir adiante. Este é o terceiro ano da itinerância por países vizinhos da Amazônia. No Peru, foram quatro exibições para um público o mais diversificado possível.
Não é uma tarefa fácil. A começar pelas próprias dificuldades que a estrada impõe. A equipe saiu de Porto Velho no início da noite do dia 8 de setembro. Enfrentou uma fila de mais de um quilômetro na travessia de rio que liga Porto Velho aos últimos municípios rondonienses antes de Rio Branco. A seca no rio Madeira impõe mudanças de ritmo.
A primeira exibição em terras peruanas foi em Porto Maldonado. Em pleno período de campanha eleitoral para eleger o presidente regional, que é o equivalente a governador no Brasil, a cidade, uma das principais da província de Madre de Dios, aguarda a finalização de uma ponte que irá agilizar a travessia no rio Madre de Dios. Por enquanto a travessia ainda é feita nas ancestrais balsas, onde cabem apenas um veículo por vez.
é uma mudança de valores. Há dez anos Jhor Mayco Macedo Grey, 22 anos, trabalha nas pequenas balsas. “Vou ficar desempregado e terei que procurar alguma coisa para fazer”, conforma-se. Muitos irão para os garimpos. “é um problema que teremos de resolver, de pensar com calma”, diz o candidato Santos Kawai Kamari
Nessa cidade em impasse, o Festcine Amazônia Itinerante montou o telão em plena praça principal. Sob uma frondosa e carregada mangueira, sob os olhares de pelo menos 200 pessoas, a primeira sessão foi exibida no dia 10 de setembro.
Um dia depois, o cinema ambiental chegou a um dos locais mais pobres de Porto Maldonado, o assentamento de Aguajal. A sessão foi na quadra do assentamento, um dos poucos locais de lazer para as 150 famílias que moram naquela periferia de Porto Maldonado. Lá, a cidadania chega em ritmo lento. água potável só é possível uma hora por dia. Energia elétrica é luxo temporário. Quando a equipe do Festcine Itinerante chegou a Aguajal, os moradores não tinham luz elétrica havia três dias. “Lutamos muito para conseguir nossos direitos”, dizia o líder do assentamento, Hugo Chauca, 32 anos.
A fazer concorrência com a exibição dos filmes. Um comício político há dois quarteirões da quadra. O sorteio de uma moto garantia parte da presença do público. O candidato Amado Romero prometia mudar a situação da comunidade. Na quadra, crianças, em grande maioria, acompanharam os filmes exibidos naquela noite.
No dia seguinte, o momento de enfrentar o maior desafio da viagem, a subida pela cordilheira peruana. O frio e a altitude surgindo não como adversários a serem suplantados, mas como adaptações a serem conquistadas.
No meio do caminho, gravações para um documentário que está sendo produzido pela equipe. A ida a um garimpo que surge como consequência também da facilidade de acesso causado pela construção da rodovia Transoceânica mobiliza a todos. Um cenário que mistura sonhos de riqueza com mazelas sociais se mostra inteiro no meio da floresta amazônica peruana.
A construção da Carretera, como é chamada a Transoceânica, é considerada por muitos como a solução dos problemas daquela parte do país. Não há como negar a importância da execução da obra, que diminui distâncias e facilita acessos.
Mas há sempre a contrapartida do empreendimento. Ao longo da estrada, há desmatamentos, alterações de cursos de rio, queimadas. E pobreza.
Em Marcapata, uma pequena localidade a mais de 3 mil metros de altitude, uma população tradicional ainda não sabe exatamente o que vai acontecer com a finalização da Carretera. Os mais antigos não avaliam os impactos. Os mais jovens querem que haja mudanças para melhor. E é assim que os dias passam.
O cenário é diferente em Cusco. Uma das principais cidades peruanas e destino de milhares de turistas, a cidade respira ares cosmopolitas, mas tenta manter laços com a antiga tradição. O que não impede de ser alvo de protestos feitos pelos moradores no centro da cidade. Cerca de cinco mil pessoas foram às ruas contra a transposição de um rio para a região de Arequipa. “A população não foi consultada sobre um projeto que irá afetar Cusco”, diz o consultor ambiental Henry Lezama. Segundo ele, pelo menos 50 mil pessoas devem ser afetadas diretamente pela obra.
Em Huarcapay, distante 32 km do centro de Cusco, o que afeta os moradores é o abandono. Desde o dia 24 de janeiro, 240 famílias vivem em barracos improvisados. São vítimas de uma enchente que transformou Huarcapay em um vilarejo fantasma. Entre os escombros, todos os dias pela manhã, Aguida Arana Aredano, 64 anos, tenta reconstruir a própria vida. “Nunca havia visto isso”, diz ela, enxugando lágrimas.
“Estamos abandonados pelo governo. Dizem que não tem material para a reconstrução das casas. Estamos passando fome e frio”, apela Nilda Hoayza Garcia, 32 anos.
Em Cusco o Festcine Amazônia Itinerante exibiu os filmes a uma plateia formada em grande parte por universitários no auditório Instituto Peruano Norte-Americano. Foi a penúltima exibição dessa primeira etapa da itinerância em países vizinhos. A última exibição seria em Iberia.
O retorno é feito como aprendizado. “Sentimos um misto de alegria e tristeza”, diz a organizadora do festival Fernanda Kopanakis. “Alegria pela forma sempre receptiva e solidaria do povo peruano em nos receber, em nos fazer repensar e reafirmar da necessidade e possibilidade do estreitamento dos laços latino americanos. Alegria pela capacidade que a sétima arte possui em mobilizar as pessoas, mas ao mesmo tempo, tristeza, pela constatação de que a partir da efetivação da construção da Carretera, os impactos ambientais gerados (derrubada da mata, queimadas, abertura da fronteira para o gado e soja, garimpo) serão devastadores”, diz ela.
A próxima etapa da Itinerância é em terras bolivianas. Ela já começou. A estrada está aberta. O cinema está viajando.

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