De volta à estrada!

De volta à estrada!

Passaram-se aproximadamente dois meses desde a primeira vez que entrei na van com o Cineamazônia. Havia ficado uma sensação de dever cumprida e ao mesmo tempo de “quero mais” na última aventura pelas estradas da Amazônia.

Dessa vez a aventura seria diferente. Ao invés de van e hotel, um barco de três andares para acomodar a nós e a toda estrutura do festival. No lugar das estradas e BRs, o enorme Rio Guaporé.  O objetivo, entretanto, continuaria o mesmo: levar cinema e circo às partes mais distantes da Amazônia.

Antes das 8h já estavam todos na concentração de onde partiríamos de Porto Velho em direção a Guajará-Mirim, uma cidade na beira do rio Madeira-Mamoré, que se tornará nossa base nos próximos três dias.

Na equipe algumas novidades. Zeca Ribeiro será o nosso fotógrafo da equipe, que ainda conta com o Maílson como cinegrafista. Alexandre e Geiza entram substituem a dupla de palhaços Figurita e Aguahito, da primeira etapa. É interessante, porque além de fazerem o papel de Cotonete e Chiquita, Alexandre e Geiza são um casal. Há onze anos! Eu particularmente já acho incrível um casal chegar a tanto juntos. Mais ainda sendo companheiros de trabalho. E mais: sendo palhaços! Tento imaginar um dia em que aconteça alguma discussão pessoal antes do espetáculo, como eles conseguem manter a compostura e continuar alegrando a plateia e fingirem estar tudo bem durante o espetáculo.

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Ainda partem conosco dentro da van a grande fotógrafa Bete Bulara, que fará uma oficina de técnica pinhole para as crianças das comunidades e o Arthur Moretti, físico especializado em energia sustentável e nossa ponte para a nossa primeira apresentação, na Reserva Extrativista de Rio Ouro Preto.

A partida foi bem mais tranquila que a primeira etapa em maio. Por um motivo bem simples. Chegar em Guajará-Mirim demandou quase um terço do tempo do que chegar em Iñapari. Embora estivesse no pior lugar possível dentro da van (bem em cima da roda traseira esquerda, o que me fazia fica completamente espremido entre roda, o banco da frente e o Moretti, que sentou ao meu lado), a viagem foi bem agradável.

Durante as quase quatro horas de viagem, a conversa flutuou entre futebol, gastronomia, política, o histórico sócio-ambiental durante a formação de Porto Velho. Moretti apontava para os descampados e lugares que pareciam terem saído de um filme apocalíptico pós-guerra nuclear. Enormes buracos onde antes havia um rio e árvores sem vida compunham o horizonte de forma deprimente, causados pela construção de barragens para usinas hidrelétricas da região.

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O casal e Moretti pareciam querer competir quem teve a situação mais constrangedora ou perrengue passado em solo europeu. Como Geyza e Alexandre não falam bulhufas de inglês, eu dou o Troféu Enrolation para o casal de palhaços.

Chegamos em Guajará-Mirim na hora do almoço. De cara fiquei muito feliz ao ver que o barco que serviria como transporte e hotel nos próximos 21 dias realmente oferece uma estrutura muito boa.

Descobrimos de forma rápida e empírica que uma das principais dificuldades este ano sem dúvidas será não engordar. Henrique, nosso cozinheiro que vai a bordo conosco é realmente faz uma comida maravilhosa. Seguramente um dos melhores feijões que já comi na vida. Por um momento eu me pergunto seriamente porque o que o Atala é considerado um artista da gastronomia e o Henrique não. Uai! Técnica por técnica, eu gostaria de ver teste cego de receitas de arroz com feijão feito dentro da cozinha do barco entre o chefe internacional e o nosso. Alex Atala, se estiver lendo, está lançado o desafio!

Não tivemos muito tempo para descansar. A nossa primeira apresentação fica a apenas 80 km/h de estrada de chão, que obriga os motoristas a andar a no máximo 40 km/h. Foram quase duas horas de estrada esburacada empoeirada mata a dentro até chegarmos ao nosso destino.

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O lugar da exibição é belíssimo. Uma casa de madeira bem grande funciona como apoio logístico para as famílias que trabalham com o extrativismo na região, vendendo castanhas-do-pará e farinha. O lugar fica à beira do rio, onde crianças brincavam sob os olhos das mães que terminavam de lavar as roupas. Em uma pequena barraquinha dona Damiana vende bolos, doces e janta. Pato e galinha eram o menu do dia. Dizem que quem provou, aprovou.

Quando a noite chegou e finalmente começaram as apresentações, vemos que tudo vale a pena. O público interagiu bem com os filmes e se divertiu muito com a apresentação de Chiquita e Alexandre.

Ao término das apresentações, os moradores serviram uma galinhada. Alguns dos nossos tripulantes mais uma vez se deliciaram com a janta. Eu não tive a mesma sorte. Cheguei atrasado. E ainda tive o desprazer de ver pela TV o Vasco perdendo em casa para o Santa Cruz. Que fase!

No final de tudo, fica sensação era de uma paz esquisita, apesar da agitação do trabalho. Parece um velho clichê hippie, mas o tempo realmente passa de forma diferente quando se foge da cidade. Longe das luzes, as estrelas e a lua deixavam o céu completamente iluminado. Há até uma ansiedade de entrar de vez no meio do rio Guaporé para ver como será o céu sem realmente nenhuma luz artificial por perto.

Há um potencial mágico por aqui que não há como explicar.

E está só começando.

(FOTOS: ZECA RIBEIRO)

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