Sob a luz vermelha de Iata

Texto: Ismael Machado
Fotos: Zeca Ribeiro
Edição: Lui Machado

Há que ter paciência e um bom olhar. Phillip e Chrystian têm as duas coisas de sobra. Os dois caminham por uma estradinha de terra bem iluminada por uma lua crescente e um céu pra lá de estrelado. Vão em direção às margens do rio. A intenção é fazer fotografias com exposição demorada. Fotos noturnas, algo que realmente requer um pouquinho a mais de fotógrafos.

Para os dois é pura diversão. O encontro entre nós se desenrola enquanto a sessão em Iata, um pequeno distrito pertencente a Guajará-Mirim, inicia. Os dois não viram o que eu vi. Às margens do rio, sozinho, vejo uma luz vermelha, como se fosse um  grande vaga-lume (ou pirilampo, como queiram). Só que não era.

No dia seguinte leio que há esse fenômeno das luzes estranhas em Iata. Já rendeu reportagem na TV. É desses mistérios que o mundo se alimenta.

Itinerância Vale do Guaporé

Itinerância Vale do Guaporé

Ainda não desatracamos rio Guaporé adentro. Por enquanto as apresentações são em locais onde o deslocamento básico é por estrada. De chão e de asfalto. Há tempo para discussões sobre o papel de canções do Oasis no cenário musical dos últimos anos. Lui diz que Wonderwall talvez tenha sido a canção mais emblemática dos últimos 20 anos. E como não se emocionar com Don’t Look Back In Anger?

É sempre interessante notar em viagens que cada um vai criando sua trilha sonora particular. Como os consensos musicais são difíceis de alcançar, talvez essa seja sempre uma boa solução. Fone de ouvido, santa invenção!

Para quem nunca participou de uma itinerância pelo Guaporé, um aviso: cuidado com Henrique. Ele não nasceu para fazer o bem. Explicando…o cara é um dos melhores cozinheiros que podem existir. Impossível não comer, comer, comer…o resultado é previsível. Quilinhos a mais virão, com certeza.

Vamos nos conhecendo. Nos entrosando. Bete Bulara dança animada ao som de uma bate estaca tecno que toca enquanto a estrutura do Cineamazônia está sendo desmontada. Inevitável pensar na vida que levou e leva durante esse tempo de existência digna. Descubro que é amiga de Gonda, amigo querido de Belém. As sintonias se cruzam e se espalham.

No segundo dia, logo depois da consagradora apresentação dos palhaços, o bordão de Chiquita começa a ser repetido. “O queeee? Não acreditooo!”, repetimos, engrossando a voz a qualquer frase mais ou menos diferente.

Ale, o palhaço, quer convencer a mim e Lui que o Corinthians não é beneficiado pelo apito amigo. Passo a entender mais a profissão que ele escolheu. Só pode ser brincadeira…

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Michelle aparece com uma boina lindinha. Comprou do outro lado em Guayaramerin, mas diz que o cenário lá é de decadência. Crise internacional e seus reflexos. E na fronteira entre Brasil e Bolívia isso se traduz em quedas de venda, dólar em alta e lojas fechando. Mas ó, a culpa não é do PT, ok?

Fernanda anuncia, entre grave e divertida, que uma frente fria está chegando. E vai nos alcançar no Guaporé. O que me preocupa são os insanos mosquitos que costumam deixar uns calombos na perna e nos braços e que parecem beber o repelente com o mesmo prazer com que eu provei, ainda em Porto Velho, a Proibida Puro Malte.

Vez em quando ainda lembro a conversa tida com algumas mulheres na Resex Rio Ouro Preto, no primeiro dia dessa itinerância. Uma das mulheres conta, enquanto serve a mim e Michelle um prato de pato e galinha, que aos 13 anos foi oferecida a um homem, mas como não sabia o que era casar, foi feita de escrava durante três anos. Aos 16, o homem a amarrou e a estuprou. Nasceria o primeiro filho dela. Um por ano pelos sete anos seguintes.

Só depois que ele morreu é que aos poucos ela foi descobrir o que era bom no sexo. Aliás, só no quarto marido. “Não é todo homem que sabe fazer não”, ela nos diz. Logo depois pergunta se não vai tocar uma musiquinha pra ela dançar um rasqueado.

Cineamazônia tem essa peculiaridade. Nos faz encontrar pessoas com histórias que abrem nossa cabeça, trazem reflexão e emoção.

Muito disso ainda virá, tenho certeza. Estamos apenas começando. E o barco nem desatracou.

 

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