Dia 4 – Una noche en Cobija

Dia 4 – Una noche en Cobija

Essa tem sido uma das itinerâncias mais inusitadas da história do Cineamazônia. Pelo menos foi o que me disse o Christyan, enquanto andávamos pelas ruas escuras do bairro Amstad, uma das periferias mais perigosas da Bolívia. Éramos eu, ele, Avener e Philippe, seguindo pelo caminho de terra batida e mal iluminado sob o olhar atento e desconfiado dos moradores locais.

Mas muita coisa aconteceu antes de chegarmos em Amstad.

Naquele dia, às sete da manhã, nós já estávamos de pé. Tentaríamos novamente passar pela fronteira e chegar à cidade peruana de Puerto Maldonado. John, nosso produtor peruano, já havia recebido a informação de que dessa vez conseguiríamos superar a barreira burocrática e continuar o trajeto planejado anteriormente.

Infelizmente, mais uma vez a expectativa não se encontrou com a realidade. Aparentemente os documentos de todos os integrantes, do caminhão, dos equipamentos estavam todos certos, mas aí… subitamente surgiu a necessidade de um novo documento referente à nossa van. Ou seja, poderíamos até seguir viagem. Desde que fossemos na boleia do caminhão que levava os equipamentos.

Como ninguém ali estava com espírito de bancar as aventuras de Pedro & Bino, Fernanda, vencida pelo cansaço e pela ‘burrocracia’, desistiu de Puerto Maldonado e partimos para o outro lado gringo da fronteira. Tchau Peru, olá Bolívia!criancas cobija

 

Como a mudança havia sido de última hora, a ideia era fazer uma exibição no melhor estilo “guerrilha”. Escolheríamos algum lugar na periferia da cidade de Cobija (cidade boliviana de 68 mil habitantes que faz divisa com Brasiléia, no Acre) levaríamos todo o material para uma apresentação surpresa e chamaríamos o pessoal da região, ali, na hora.

Isso seria ainda naquela noite. Nosso cronograma, portanto, era curto. Par ter sucesso, contaríamos com Wilson, nosso contato na cidade Boliviana. Nos hospedamos no centro de Cobija. Hotel antigo, recém reformado, com quartos bacanas e principalmente: chuveiro quente, ar condicionado e sem formigas voadoras!

Check-in feito, malas nos quartos, a equipe partiu para o bairro sugerido por Wilson. Um trajeto confuso, cheio de entradas, subidas e descidas. Demoramos uns 15 minutos para chegar ao bairro chamado Amstad.

O local é tipicamente uma periferia de uma cidade latino-americana. A maior parte das ruas é de uma terra vermelha batida, com mato crescendo aos lados, com muitos cachorros e motos passando por elas. As casas são de madeira e não raramente viam-se valões na frente delas.

Rodamos pelas ruas do bairro até encontrarmos o lugar perfeito. Era uma espécie de quintal comunitário que abrangia pelo menos três casas. No meio, a terra batida. Do lado esquerdo, árvores de médio porte e muitas folhas. Do outro, uma grama mal aparada com uma pequena venda próximo à esquina. De frente para o quintal, a rua esburacada não passava tanta gente. Do outro lado da rua, contrastando com a maioria das casas de madeira, uma enorme quadra poliesportiva aberta para a comunidade, novinha em folha. Do lado, um Corpo de Bombeiros, também “zerado”. Segundo Wilson, o bairro é antigo, mas aquela parte da comunidade começou a crescer em volta das duas construções há pouco tempo.

Às 19 horas Christyan me chama apressado para irmos para o festival. A equipe da montagem já estava no local há algum tempo montando toda a estrutura. Com isso, faltavam apenas eu, Christyan, Fernanda, Avener, Philippe e Mauro, além, é claro, do motorista da van que nos levaria.

Estávamos no meio do caminho, passando por uma das várias subidas e descidas da cidade, quando a van começa a engasgar. Algum problema na embreagem, diz o motorista. O veículo se esforçava heroicamente para tentar superar o trecho de subida, mas era ultrapassado até por senhores de bicicleta. O ronco do motor ia às alturas, mas nada do veículo acelerar. Enquanto o motor ia cedendo, a van ia deslizando vagarosamente para trás no meio de uma avenida movimentada. Sem conseguir ir em frente, Joselito, nosso motorista, resolve tentar dar uma ré para pegar mais impulso e conseguir passar o trecho. Mas estávamos no meio de um vale. Ou seja, atrás de nós também tinha uma subida tão grande quanto na frente. Enquanto Joselito ficava possesso com a situação e se incomodava com as brincadeiras feitas com o carro, atrás, eu, Avener e Fernanda mal conseguíamos segurar os risos nervosos.

Sim, senhores. A van nos deixou na mão. Pior: nenhum de nós tinha contato de mecânico ali. PIOR AINDA: não tínhamos sinal de celular para ligar para Wilson, o único que poderia nos tirar dessa enrascada.

Diante da situação, Fernanda decide pegar um táxi para o local onde rolaria o festival. Wilson deveria estar lá e poderia cuidar do problema.

menino cobija

O táxi que nos socorreu era um carro preto bem velho e sem qualquer identificação, mas que pelo menos tinha um porta-malas grande. Sim, porque éramos seis para sermos levados. Por isso, eu, Chris e Fernanda fomos no banco de trás. Mauro, do Amazon Sat na frente e Avener e Philipe espremidos no porta-malas.  Não tinha como não rir de tudo aquilo.

Conseguimos chegar no local de exibição. Haviam exatamente duas pessoas sentadas nas quase 250 cadeiras disponíveis. Ambas moradoras de uma das casas do quintal onde foram instalados os equipamentos. O risco de ninguém ir sempre existe quando há esse tipo de sessão surpresa. Por isso, deveríamos fazer alguma coisa.

O festival já estava prestes a começar e era preciso levar gente para lá. Christyan pegou um megafone, gravou uma mensagem do Wilson convocando os moradores e foi rodar pela comunidade com o megafone em punho. Claro, eu, Philip e Avener fomos juntos.

Estávamos os quatro, quatro brasileiros, cheios de equipamentos de filmagem e fotografia na mão, às 21 horas, rodando pelas ruas de um dos bairros mais perigosos de Cobija, na Bolívia, com um megafone apontado para cima enchendo o saco dos moradores com o barulho e com um espanhol cachorro. Tinha tudo para dar errado.

Ainda bem que não deu. Aliás, deu até bem certo. Não chegou a encher totalmente, mas cerca de 60 pessoas atenderam nosso chamado para assistir aos filmes e a apresentação dos palhaços também foi um sucesso. Dadas as circunstâncias, nada a reclamar.

Foi uma energia muito bacana ver a alegria de uma moçada que dificilmente vê um tipo de atração cultural no bairro (sim, perguntei isso ao Wilson e ele me confirmou que algo do gênero era inédito no bairro, que possui apenas projetos envolvendo esporte e nenhum envolvendo arte).

Os palhaços, que no hotel se mostravam meio desanimados com a possibilidade de haver poucas crianças para o espetáculo, mudaram radicalmente a expressão quando chegaram. Houve uma sintonia bem legal e eles conseguiram entreter bem o público.

palhacos danca

Na apresentação deu tudo certo. Tirando o Christyan quase ser mordido por um cachorro, não tivemos mais sustos. Um cara local ainda chegou para nos convidar para o show de rock da banda dele. Em um impulso eu quase animei Christyan, já que Fernanda já estava mais que animada. Mas decidimos ficar todos tranquilos na nossa, afinal teríamos que trabalhar de manhã cedo.

Com o fim da sessão estávamos morrendo de fome. Só conseguimos sair meia noite para comer. O único lugar aberto da região tinha apenas uma pessoa comandando a chapa e 16 pessoas famintas. Como resultado, nós só conseguimos sair de lá por volta das 2 horas da manhã.

Pelo menos deu para rir bastante. Principalmente do Wagner, o motorista do caminhão, que realmente se entrosou com os palhaços. Tirou foto com peruca, nariz, roupa e no final já estava chamando Aguajito de “meu palhaço”. É, pois é.

palhacos cobija 2

Ps1: Eu particularmente não vi cartazes, muro pintado ou qualquer coisa que remetesse diretamente ao Evo Morales.

Ps2: A periferia boliviana faz a da sua cidade parecer um paraíso.

Ps3: pagamos o mico de pedir para trocar uma Fanta laranja achando que estava vencida. No final das contas ela só era ruim mesmo.

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